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Três equipes de estudantes indígenas foram formadas com apenas um mês para a seletiva regional do estado. Confira como tudo aconteceu
O Brasil tem cerca de 1,7 milhão de indígenas, segundo o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). São 305 etnias diferentes representadas no nosso país, entre elas os povos Jurunas e Kuruayas, que vivem no estado do Pará, mais precisamente nos municípios de Vitória do Xingu e Altamira, respectivamente. Mas, o que essas duas comunidades têm em comum? O ensino de robótica.
Foi por causa de um grafismo do Povo Juruna que a robótica chegou à comunidade. A equipe TecnoXingu, do Serviço Social da Indústria (SESI) Altamira, queria utilizar uma pintura Juruna como identidade visual para a temporada de robótica 2023/24, MASTERPIECETM, que tinha como tema o mundo das artes e precisaram pedir autorização ao cacique da Aldeia, Fernando Juruna. Empolgado com o projeto, ele deu permissão ao time, mas em troca, a robótica deveria ser levada para os estudantes da sua comunidade.
“Conseguimos, por meio de iniciativas como essa, diminuir o preconceito e o pensamento de que indígenas só têm que estar na floresta. Precisamos estar nas universidades e em todos os espaços que contribuam para o nosso crescimento e que garantam a qualidade de vida do nosso povo”, declara Fernando.
Faltando apenas um mês para o regional de robótica do Pará, que seria realizado nos dias 5 e 6 de dezembro de 2024, no município de Ananindeua, toda a comunidade Juruna foi envolvida para que os alunos conseguissem participar da competição. Realizaram votação para escolher os nomes das equipes e mascotes, confeccionaram adornos e artefatos, o clima de competição contagiou a todos.
Duas equipes da modalidade FIRST® LEGO League Challenge (FLLC) foram formadas: a JurunaBots e os Yudjatech, ambas da Escola Indígena Francisca de Oliveira Lemos Juruna.
“A robótica é uma experiência nova e única. Aprendi que é preciso muito compromisso, trabalho em equipe e bastante criatividade. Agradeço a todos que me deram essa oportunidade de participar”, fala Richard Eduardo Vieira, competidor de 13 anos da JurunaBots.
Programar um robô, apesar de ser um desafio, foi o que encantou a jovem competidora da Yudjatech, Eduarda Carolina Machado, 15 anos. “Conseguir projetar um robô com tanto esforço e ver que a máquina que fizemos está produzindo os trabalhos e cumprindo as missões é incrível”.
Pertinho dali, na região de Altamira, outra equipe de robótica também estava nascendo, às margens do rio Xingu, os Kuruaya Itaibitxin, da Escola Municipal Kirinapan Kuruaya. Eles representam a comunidade indígena Kuruaya.
O SESI-PA abraçou a ideia e deu suporte às equipes, antes e durante a competição, tanto no fornecimento dos materiais para a construção dos robôs quanto na realização de mentorias, dadas pelo técnico Vandinei Silva, da TecnoXingu.
“Não poderíamos simplesmente entregar os kits, nós temos a missão de formar multiplicadores do ensino de robótica. A nossa parceria não acabou no torneio, queremos alcançar mais comunidades e as próprias equipes indígenas nos ajudarão nesse processo”, destaca Silva.
Robótica que inspira
Os técnicos, que já davam aulas para os competidores desde muito pequenos, relatam que os estudantes apresentaram avanços após ingressarem no mundo da robótica.
“Os alunos aprenderam a trabalhar em equipe, desenvolveram melhor a fala e exploraram um universo novo. Os pais agradeceram, nos contando que os filhos mudaram muito depois da robótica”, ressalta Luiz Mário Juruna, técnico da JurunaBots.
Na comunidade em que Luiz mora, as famílias ligaram até uma TV na escola no dia do torneio para acompanhar, de alguma forma, os filhos.
Para Périklys Monteiro, técnico Kuruaya Itaibitxin, o ensino de robótica dentro da comunidade levou novas perspectivas de futuro para esse povo.
“Fomos identificando que o projeto de robótica conferiu esperança na vida desses estudantes, possibilidades de mudar a realidade com a qual estão vivenciando hoje. Mesmo inseridos em um contexto sociocultural de vulnerabilidade, eles podem pensar e construir novos rumos para suas vidas, estão sendo inspiração para o seu povo”, enfatiza.
O especialista em educação Marcos Sousa, coordenador do programa FIRST LEGO League Challenge do SESI Nacional, diz que essas equipes são uma inspiração e garante que a instituição quer atender da melhor forma todas as outras que surgirem dessa iniciativa.
“O ensino da robótica por esse programa incrível partiu de uma vontade deles mesmos. Isso é muito importante, pois, não queremos ultrapassar o que não seja bom para eles. Contudo, dado esse interesse, nossa missão será garantir que eles possam treinar adequadamente e ter os equipamentos necessários para isso. É histórico para a operação da FLL no Brasil também”, complementa.
Dos igarapés aos oceanos
O tema da temporada 2024-2025 da robótica é inspirado nos oceanos, o que, no primeiro momento, pareceu ser algo muito distante da realidade dos alunos indígenas. Apesar do Pará ter uma vasta zona costeira marítima, considerada a segunda maior do Brasil, os municípios de Vitória do Xingu e Altamira não fazem parte da divisa com o Oceano Atlântico, no entanto, as regiões são contempladas com igarapés.
Diferente dos rios, os igarapés são cursos de água estreitos e com pouca profundidade que se formam na Amazônia e fornecem água potável, peixes, servem de vias de transportes para pequenas embarcações, além de irrigar cultivos em comunidades ribeirinhas.
“Precisávamos que eles entendessem que, mesmo não estando próximo ao oceano, as nossas ações impactam lá”, ressalta Flávia Morais, coordenadora da Escola Indígena Francisca de Oliveira Lemos Juruna e técnica da Yudjatech.
Foi nesse processo de conscientização dos estudantes que os técnicos das equipes Jurunas buscaram profissionais da área, como oceanógrafos e biólogos, dentro e fora do Brasil, para ajudar na missão dos pequenos pesquisadores.
Com a mão na massa, eles produziram materiais sobre a poluição do plástico e do microplástico nos oceanos, realizaram panfletagem, criaram sites, canal no YouTube e até um jogo pedagógico de tabuleiro.
Já a equipe Kuruaya Itaibitxin construiu um protótipo, o Guardião das Tartarugas. Estima-se que apenas um ou dois filhotes de tartaruga, em cada 1 mil, sobrevivam até a idade adulta por causa da predação. Pensando nisso, os meninos criaram esse projeto de inovação para proteger os ninhos.
“Construímos um robô que afastasse as aves dos filhotes, mas queremos aprimorar e colocar um dispositivo de som também para afastar animais como a serpente, que são a segunda categoria que mais predam os filhotes”, explica Périklys.
As equipes de Altamira e Vitória do Xingu já estão ansiosas pelo tema da próxima temporada. Bem-vindos ao mundo da robótica!
Por: Marcella Trindade
Fotos: Arquivo Pessoal/ Divulgação